"Não dá pra achar que o problema é só a ponta do iceberg que a gente enxerga. Porque nunca é"
Como diria Martha Gabriel, grande
profissional da área de engenharia, tecnologia e informação, a separação do “On”
e “Off” chegou ao fim. A pesquisadora se refere à realidade atual, na qual os
indivíduos estão conectados em tempo integral às redes e à tecnologia. Muito
interessante as palestras da Martha, vale a pena assistir. Abaixo deixo o
link de algumas.
O fim dessa separação faz com que
todo mundo esteja conectado todo o tempo. E isso significa que, em qualquer
hora ou lugar, alguém pode estar gravando, fotografando, curtindo ou
compartilhando algo que você fez. E você pode em tempo real indexar conteúdo em
qualquer rede, seja para contar alguma novidade, criticar alguma atitude ou até
mesmo abrir as portas de um lugar restrito como o ambiente do ensino superior,
para trazer à tona discussões importantes para a sociedade em que vivemos.
E foi isso que um aluno da USP
fez, no mês passado. Gravou uma discussão sobre cotas raciais ocorrida durante
uma aula de Microeconomia, nesta mesma universidade. Eis que o vídeo publicado
no Youtube tem causado discussões agressivas (o que não é tão bacana) e
opiniões extremamente divergentes (o que é muito bacana) sobre o assunto. Aliás,
como sempre foi.
O vídeo por si só já causou uma
polêmica tremenda, seja pela opinião dos que se sentem vítimas quanto daqueles
que não querem ser chamados de opressores. Dias depois, a colunista Cíntia
Moscovich publica em sua coluna o texto “Eu sou racista”, uma opinião sobre o
episódio da USP. É claro que, ao realizar uma análise que foi (na minha
opinião) superficial e simplista, a escritora não foi muito feliz e a bola de
neve aumentou.
Então, depois de cansar muito e
ouvir tanto bla bla bla, voltei a escrever para deixar
registrada minha opinião sobre o assunto. Como dizia um professor de Sociologia,
não dá pra achar que o problema é só a ponta do iceberg que a gente enxerga.
Porque nunca é. Os problemas têm raízes, geralmente bem fortes, em vários
outros fatores que desencadeiam as mais variadas situações.
Pois bem. Sempre procuro aplicar
esta lógica às problemáticas do dia a dia, na busca da compreensão das coisas
que a gente não consegue entender. E se a Sociologia nos diz que todo o
problema tem raiz, eu digo que a raiz do problema das cotas está em uma outra
coisa chamada educação infantil. Loucura, será?
Não concordo com muitas opiniões
do Sr. David Coimbra em suas colunas diárias, mas verdade seja dita, ele possui
uma teoria bem interessante sobre os problemas do Brasil. Segundo o escritor,
por decisões também simplistas e superficiais, em algum momento o país (leia-se
governo) optou por focar na melhoria do ensino superior (destinando
investimentos e programas que facilitam o ingresso às universidades).
Meu amigo e admirável professor
Josei Pereira, exímio pesquisador da História, estava me contando esses dias
sobre como nossos antepassados também foram agraciados com cotas, e a gente nem
sabe. Ou prefere nem saber. Você acha que, desempregados e vivendo na miséria
como os alemães e italianos estavam na Europa naquela época, teriam somente
pelo esforço próprio e trabalho na enxada, conquistado hectares de terra,
grandes propriedades, estabelecimentos comerciais e desenvolvido a região
somente com o seu esforço? Então isso é engano seu.
Talvez não o seu avô, ou bisavô,
mas o seu tataravô recebeu ou lotes, ou moedas, ou gado, ou vendas, ou qualquer
auxílio, para iniciar a vida aqui. Essa era a propaganda feita para chamar os
imigrantes para a nova terra. O trabalho veio depois. Então veja bem, cotas por
cotas, todo mundo recebeu. Até você, que se diz pagador de impostos, muito
honesto, trabalhador. Sua geração só existe porque a geração do seu tataravô
foi beneficiada com cotas.
Resolvido o problema com as tais cotas,
voltamos para a educação. O problema é que, de nada adianta você querer ter uma
casa forte se ela for construída sobre a areia ao invés da rocha. O alicerce, a
base, a educação infantil e básica, precisa ser fortalecida para depois pensar
na educação superior, mas não foi assim que aconteceu.
Ex-secretária de política
educacional do Ministério da Educação, membro do Núcleo de Pesquisa de
Políticas Públicas da USP e estudiosa do ensino superior, Eunice Durham, aponta
que “tanto as cotas raciais como as cotas sociais são remendos demagógicos”. E mais:
diz que existe uma grande desigualdade educacional entre pobres e ricos, negros
e brancos. Mas a questão é que isso está sendo combatido no lugar errado.
Querem consertar as desigualdades do Brasil na porta da universidade, sendo que
o problema se origina na educação básica. Então não sou só eu que pensa assim.
As pessoas brigam, xingam, batem
boca, se ofendem, mas no fundo estão falando da mesma coisa: querem as mesmas
oportunidades. Se naturalmente isso não é estimulado, é preciso “forçar” a
igualdade com subterfúgios. O problema, nesse caso, é que não tem como forçar a
igualdade. Ela deve ser intrínseca.
Se lá na educação infantil todos
tiverem a mesma oportunidade, a mesma educação, sem diferenças entre escolas de
ricos e de pobres, ao chegar na universidade, nem vestibular mais vai precisar
existir. Aí é que está o ponto. Todos terão as mesmas condições, as mesmas
chances, as mesmas oportunidades. Então, ao invés de causar escândalos como foi
esse episódio da USP, os alunos poderiam pensar em começar a cobrar os
verdadeiros responsáveis por toda essa bagunça.
Não tá certo o suposto opressor
que diz “estuda e entra aqui na universidade, ninguém tá te impedindo”. Mas
também não é nada ético da parte da suposta vítima dizer “quando o oprimido
fala o opressor cala a boca”. Que tal unir esforços e lutar pela educação como
um todo? Também tenho minha revolta pessoal e minha história de ingresso na
universidade (que aliás não foi fácil nem simples), mas nem por isso invado
aulas para fazer valer meu ponto de vista. Procuro ter meu blog, escrever minha
opinião, quem quiser comenta, critica construtivamente, e vamos construindo
argumentos e discussões de fundamento, que é isso que nos falta no mundo 100%
On: coisas de fundamento.
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